terça-feira, 29 de novembro de 2011

Diagnóstico Precoce e a criança Surda

O Diagnostico Precoce da Surdez – qual o lugar da linguagem?

Profa. Dra. Maria Cecilia de Moura

Curso de Fonoaudiologia

FACHS

PUC-SP

 

Se o bilingüismo para Surdos deve ser pensado como uma realidade que possibilitará que os Surdos possam se constituir como seres da linguagem, devemos refletir sobre a época em que eles devem ser expostos à língua de sinais.

Existe um período optimal para a aquisição da linguagem para qualquer indivíduo. Sabe-se que crianças apartadas de uma condição normal de aquisição de linguagem não desenvolverão linguagem de forma normal (RODRIGUES, 1991). Para que isso venha a acontecer é necessária uma relação afetiva num ambiente estimulador. Isso pode vir a não acontecer com bebês surdos que são diagnosticados muito cedo. As famílias podem perder a capacidade de se comunicar com o bebê porque elas acham que o bebê não escuta e que não os vai entender. O bebê precisa ser considerado como alguém que poderá desenvolver linguagem (BOUVET,1990). As funções neurológicas e psíquicas trabalham juntas e há um momento certo para o desenvolvimento da linguagem. Ninguém esperaria que crianças ouvintes sejam expostas tardiamente à linguagem por nenhuma razão. Mas, o diagnóstico precoce da surdez pode fazer com que isso aconteça porque quando a família descobre a surdez de seu filho ela pode parar de falar com ela.

Com o diagnóstico precoce que é feito para que a estimulação auditiva comece o mais cedo possível (via aparelhos auditivos ou implantes cocleares) pode haver uma quebra no circuito de comunicação e se poderá privar a criança de linguagem.

Os especialistas argumentam que quanto mais cedo for feito o diagnóstico, mais normal será o desenvolvimento da criança (YOSHINAGA-ITANO, C, 1998). De forma a permitir um desenvolvimento ideal de linguagem oral que não se sabe se irá acontecer ou não os especialistas evitam que uma relação natural mãe/bebê possa vir a acontecer (MADILLO-BERNARD, 2007).

As funções psíquicas e neurológicas trabalham juntas e existe um momento adequado para o desenvolvimento da linguagem. Ninguém espera que uma criança ouvinte seja exposta tardiamente à linguagem por qualquer razão que seja. Mas, o diagnóstico precoce da surdez pode fazer isso acontecer para os bebês Surdos. Quando é dito a uma família que seu filho “pode” ter uma perda auditiva, os pais podem parar de falar com ele. Isso acontece porque a surdez é algo desconhecido. Como se comunicar com alguém que não escuta?

Afinal, qual a razão do diagnóstico precoce? Ele é feito para que a estimulação auditiva comece o mais cedo possível. São citados exemplos de que o diagnóstico é tardio – mas de quem é a culpa? Não seria o caso dos médicos pediatras serem formados a fim de poderem diagnosticar a surdez frente às perguntas das mães? A escolha foi outra e de forma a “permitir”um desenvolvimento ideal da linguagem oral que ninguém sabe se irá acontecer, os especialistas podem vir a impedir o estabelecimento de uma relação normal entre a mãe e o bebê.

Estabelece-se aí um paradoxo: sem esse vínculo que seria absolutamente normal: uma mãe que fala com seu bebê, que considera que seu bebê é alguém que virá a falar, o desenvolvimento de linguagem pode ser seriamente prejudicado e o objetivo que os especialistas gostariam de atingir pode não vir a acontecer.

Os especialistas deveriam compreender o impacto do diagnóstico precoce da surdez no desenvolvimento do bebê Surdo desde que esse diagnóstico está relacionado à forma pela qual a família irá se relacionar e se comunicar com a criança recém nascida.

Essa preocupação não se encontra apenas no Brasil. A França tem se preocupado muito com essa possibilidade de ruptura de vínculo mãe/ bebê, como podemos ver com Madillo-Bernard (2007), psicanalista francesa:

[...] mas, os psicólogos e psiquiatras especializados em crianças surdas temem que uma triagem e um anúncio no início do primeiro mês comprometam a instalação da relação mãe-criança e o estabelecimento da maternagem. Na ausência de risco vital, uma triagem demasiado precoce (período neonatal) dessa desordem que está ligada à comunicação não traz o risco de ser iatrogênica (i.e.,reação ou doença por efeito colateral), perturbando o processo de vinculação? [...] (p.41).

Deve-se responder, antes de mais nada perguntas cruciais :

Os resultados sobre o diagnóstico precoce encontrados até agora apoiam o pressuposto de que ele precisa ser feito ao nascimento?

Por que evitar o uso de língua de sinais?

Qual é a garantia de que essas crianças serão iguais às crianças ouvintes como os especialistas afirmam?

Mesmo com boas habilidades auditivas, elas continuarão a ser surdas (sem que se permita que sejam Surdas). Afinal, se ela fizeram um implante coclear é porque são Surdas e não há nenhuma garantia que deixarão de sê-lo CAMPOS, Comunicação Pessoal, 2011).

Elas serão sempre colocadas numa situação de diferença dos ouvintes.

E, mais do que qualquer coisa – elas não estarão preparadas para a discriminação que sofrerão.

A única forma de se lidar com esse problema de forma a minimizar os danos é propiciar à família, de forma especial à mãe, um lugar em que eles possam ser ouvidos e acolhidos.

Logo que possível eles deveriam ter a possibilidade de entender que existem outras possibilidades, isso é, que os Surdos usam Libras, e podem se desenvolver muito bem, independente da oralidade que será algo a mais que lhes possibilitará uma inclusão social mais tranquila, mas que antes de mais nada eles continuarão Surdos. O modelo sueco já mostrou que isso pode ser feito (SVARTHOLM, 2008.). Além disso as famílias deveriam receber orientação em relação ao Surdo como membro de um grupo cultural que carrega uma diversidade e em relação ao papel da língua de sinais no desenvolvimento da linguagem do bebê. (BELLUGGI, 1980; Svartholm, 2008).

É muito importante que os especialistas da área médica e fonoaudiológica que são favoráveis ao diagnóstico precoce e ao implante coclear compreendam que, se existe um período crítico para o desenvolvimento do sistema auditivo (YOSHINAGA-ITANO; SEDEY; COULTER.; MEHL,1998), há também um período crítico para o desenvolvimento optimal da linguagem que pode ser possibilitado para o Surdo pela língua de sinais.  Isso é muito importante se desejamos que os bebês Surdos cresçam em condições similares aos bebês ouvintes.

Concluindo desejo dizer que frente a uma realidade que já está presente para tantos pais algumas medidas são urgentes:

·         Apoiar a mãe no momento do diagnostico precoce.

·         Mostrar as possibilidades e não as impossibilidades.

·         Esclarecer que independente das decisões tomadas (implante coclear, aparelhos auditivos) a relação com o bebê pode se dar de outras formas.

·         Sabemos que se a criança reage aos pais (e ela o faz visualmente) os pais irão reagir a ele, mas o primeiro passo é dos pais que só o poderão fazer se souberem que seu filho é surdo, mas não incapaz de linguagem.

Temos que possibilitar que os bebês Surdos posam crescer saudáveis e capazes de linguagem – os pais não devem parar de falar com eles porque eles não escutam e sim descobrir novas formas de comunicação.

Aos pais um conselho: procurem um fonoaudiólogo que possa explicar as vantagens do aparelho auditivo e do implante coclear (e os riscos também), mas que, antes de mais nada respeite a comunidade Surda e sua língua. Afinal, seu filho é Surdo.

Bibliografia

BOUVET,D. The path to language. Philadelphia: Multilingual Matters, 1990.

MADILLO-BERNARD, M. Réflexion autour du dépistage précoce de la surdité au regard de la théorie de l'attachement. Dialogue. 2007, no175, pp. 41-48.

RODRIGUES,N. Organização Neural da Linguagem. In MOURA,M.; LODI,A.; PEREIRA,M. (eds.). A língua de Sinais e a educação do surdo. São Paulo: Tec Art, 1993.

SVARTHOLM, K. Educação Bilíngüe para os Surdos na Suécia: Teoria e Prática. In: MOURA, M.C.; VERGAMINI, S.A.A.; CAMPOS, S.R.L. de. Educação para Surdos: Práticas e Perspectivas. São Paulo: Livraria Santos, 2008.

YOSHINAGA-ITANO, C.; SEDEY, A.L.; COULTER. D. K. ; MEHL, A. L. Language of early and later identified children with haring loss. Pediatrics, 102: 1161-71, 1998

 

 

 

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